A resiliência tem sido descrita como a capacidade do indivíduo para uma adaptação bem sucedida, funcionamento positivo ou competência na presença de uma situação de adversidade, envolvendo múltiplos riscos e ameaças internas ou externas, ou, ainda, a capacidade de recuperação na sequência de uma experiencia traumática prolongada. O conceito de resiliência tem ainda sido entendido como o pólo positivo das diferenças individuais nas respostas ao stress e à adversidade.
O grau de resiliência de um indivíduo é considerado uma função de factores e processos protectores, internos e externos, sendo importante conhecer os mecanismos individuais, familiares ou sociais que “lutam contra” a trajectória do risco para a psicopatologia e que contribuem para resultados adaptativos mesmo na presença de adversidade.
Na infância os acontecimentos geradores de stress constituem um risco, apesar de muitas crianças aprenderem a lidar com eles. Contudo, o stress excessivo pode conduzir a problemas psicológicos. Uma doença, o nascimento de um irmão, ausência temporária dos pais, divórcio ou morte de um dos pais, hospitalização, o dia sim dia não da pobreza afectam muitas crianças (Papalia et al, 2001). Estas situações geradoras de stress podem ter efeitos a longo prazo no bem estar físico e psicológico (Garmezy, 1983; Pynoos et al., 1987; citados por Papalia et al, 2001), no entanto algumas crianças sobrevivem a tais provas demonstrando uma resiliência notável (Papalia et al, 2001).
O psicólogo infantil David Elkind (1981, 1984, 1986; citado por Papalia et al, 2001) adverte que a pressão da vida moderna está a forçar a criança a crescer demasiado cedo e a fazer da sua infância, um período com demasiado stress. Actualmente, espera-se as crianças tenham sucesso na escola, compitam no desporto e respondam às necessidades emocionais dos pais. Para além disto, são expostas a muitos problemas dos adultos, na televisão e na vida real, e têm conhecimentos sobre sexo e violência e ainda, se vivem em famílias monoparentais ou em famílias em que ambos os pais trabalham, têm muitas vezes de ter responsabilidades próprias de adultos (Papalia et al, 2001).
As crianças resilientes são aquelas que resistem às circunstâncias que atingiriam negativamente muitas outras, que mantêm a sua compostura e competência em situações desafiadoras ou ameaçadoras, ou que “saem bem” de acontecimentos traumáticos, por outra palavras são crianças que, apesar das circunstâncias adversas, funcionam bem e que, apesar dos desafios ou ameaças, afastam-se de acontecimentos traumáticos que teriam um impacto negativo elevado no desenvolvimento emocional da maior parte das crianças (Papalia et al, 2001). Como referem Papalia et al (2001) “Apesar de lhes terem saído cartas más do baralho, estas crianças são vencedoras”.
De acordo com Eusenberg et al (1997), Masten et al. (1990) e Werner (1993, citados por Papalia et al, 2001) os factores de protecção que parecem contribuir para a resiliência incluem:
- A personalidade/ temperamento da criança: as crianças resilientes são adaptáveis, amigáveis, simpáticas, independentes e sensíveis aos outros; sentem-se e são competentes, têm auto-estima elevada e tendem a ser bons alunos; são criativas, têm recursos pessoais, são independentes e é agradável estar com elas.
- A família ou adultos que promoviam a confiança: têm o apoio de um ou dos dois pais com quem têm uma boa relação, ou no caso de tal não acontecer têm pelo menos uma criança mais velha ou um adulto que se interessa preocupa e merece confiança;
- Experiências de aprendizagem, competências e valores: têm facilidade na aprendizagem e resolução de problemas; viram os pais, irmãos, amigos ou outros lidarem com a frustração e serem capazes de dar a volta a uma má situação; enfrentam desafios, procuram soluções e aprenderam que podem ter algum controlo com as suas vidas;
- Características e práticas educativas: que reflectiam competência e promoviam auto-estima na criança, tornando-as mais capazes de ultrapassar o stress;
- Experiências compensatórias na comunidade: um bom ambiente escolar ou experiências de sucesso nos estudos, no desporto, na música, com outras crianças ou com adultos interessados podem ajudar a compensar.
Tudo isto, de acordo com Papalia et al (2001) não significa que os acontecimentos desagradáveis ou traumáticos que acontecem na infância não sejam importantes, o que é animador é que as experiências negativas que acontecem na vida das crianças não determinam necessariamente certos resultados de vida de uma pessoa e que muitas crianças têm a força para ultrapassar as circunstâncias mais difíceis.
A protecção e risco residem sobretudo na forma como as pessoas lidam com as mudanças que ocorrem na vida. Estas são influenciadas pelas experiências precoces, pelas que se lhe sucedem na infância e adolescência e pelas circunstâncias na vida adulta. Nenhum destes aspectos determina os resultados finais, mas, em combinação, conduzem a uma cadeia de efeitos indirectos que se repercute no grau de resistência/vulnerabilidade individual perante diversos tipos de adversidade” (Rutter, 1985, p.608; cit. in. Canavarro, 1999).
Como sublinha Rutter, “a protecção não reside na química psicológica do momento, mas no modo como as pessoas lidam com as mudanças de vida e no que fazem com as circunstâncias stressantes ou adversas” (1990, p.211; cit in Soares, 2000).
Nesta perspectiva, a resiliência não é absoluta, nem perfeitamente estável e é governada por uma interacção de factores protectores do indivíduo, do contexto familiar e do contexto social mais vasto. Desde que este balanço seja mais favorável aos factores protectores, a adaptação bem sucedida será possível, caso contrário o indivíduo poderá vir a manifestar problemas significativos (Soares, 2000).
Concluindo, a resiliência não é um traço ou uma condição estática, pelo contrário deve ser concebida em termos das transacções entre características da pessoa e dos ambientes ao longo do desenvolvimento, assumindo-se que a capacidade de resiliência de um indivíduo pode mudar no confronto com circunstâncias específicas e desafios (Soares, 2000).
Para além disto, o reconhecimento de que mesmo as crianças resilientes necessitam de suporte e podem tornar-se vulneráveis ao longo das suas vidas, acentua a necessidade de se fornecer serviços adequados para estas crianças que “aparentemente” parecem funcionar bem. Tal como a investigação demonstra, é precisamente a existência do apoio emocional que é um componente crítico na expressão continuada da resiliência (Soares, 2000).
Bibliografia
Canavarro, M. (1999). Relações Afectivas e Saúde Mental. Coimbra: Quarteto Editora
Soares, I. (2000). Psicopatologia do Desenvolvimento e contexto familiar:Teoria e investigação das relações de vinculação. In I. Soares (Ed.), Psicopatologia do Desenvolvimento: Trajectórias (in)adaptativas ao longo da vida (pp. 383-419). Coimbra: Quarteto Editora.
Papalia, D., Olds, S., Feldman, R. (2001). O mundo da criança. Amadora: McGraw-Hill.(trad.)
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