A Depressão é uma das perturbações mais comuns encontrada por profissionais de saúde mental. É um conceito em voga na sociedade actual e tem sido usada em diversos domínios do saber, sendo que todos pensamos conhecer o seu significado. Esta perturbação tem manifestações sintomáticas na área emocional, cognitiva, motivacional, comportamental, vegetativa e relacional sendo o cerne colocado nos sentimentos de tristeza e perda de prazer em quase todas as actividades (Marujo, 2000).
Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002) esta perturbação é caracterizada por humor depressivo durante a maior parte dos dias, uma diminuição clara do interesse ou prazer em todas ou quase todas as actividades, perda ou aumento de peso, insónia ou hipersónia, agitação ou inibição psicomotora, fadiga ou perda de energia, sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva/inapropriada, diminuição da capacidade de pensamento/concentração ou indecisão, podendo ainda verificar-se pensamentos recorrentes acerca da morte, ideação suicida recorrente com/sem plano específico ou tentativa de cometer suicídio.
“A protecção e risco residem sobretudo na forma como as pessoas lidam com as mudanças que ocorrem na vida. Estas são influenciadas pelas experiências precoces, pelas que se lhe sucedem na infância e adolescência e pelas circunstâncias na vida adulta. Nenhum destes aspectos determina os resultados finais, mas, em combinação, conduzem a uma cadeia de efeitos indirectos que se repercute no grau de resistência/vulnerabilidade individual perante diversos tipos de adversidade” (Rutter, 1985, p.608; cit. in. Canavarro, 1999).
Uma ideia central na Teoria Cognitiva da Depressão de Aaron Beck é que as manifestações emocionais e comportamentais da depressão são produzidas e mantidas por uma avaliação negativa de si mesmo, do mundo e do futuro – o que constitui a tríade cognitiva.
Na primeira componente da tríade, visão negativa de si, o indivíduo percepciona-se como inferior, inadequado, desajustado, tendendo a atribuir as suas experiências menos agradáveis a algum défice psicológico, moral ou físico. Acredita que, devido a estes défices, é indesejável e sem valor tendendo a subestimar-se e criticar-se por tal, acreditando também que carece de atributos que considera essenciais para obter felicidade e contentamento.
Relativamente à visão negativa do mundo, os deprimidos tendem a interpretar as suas experiências de forma negativa encarando o mundo como exigindo obstáculos insuperáveis.
Por último, na visão negativa do futuro o deprimido antecipa que as suas dificuldades actuais ou sofrimento irão continuar indefinidamente (Beck, et al., 1987), pois o individuo considera que tem recursos insuficientes para modificar o futuro, o que o leva à desesperança (Lima et al., 2004). Esta avaliação negativa ocorre devido ao facto de os indivíduos depressivos apresentarem uma tendência para distorcer automaticamente e negativamente as informações do ambiente, dando origem a um ciclo vicioso que será explicado em seguida (Lima et al., 2004).
Assim após um acontecimento negativo significativo, num indivíduo com susceptibilidade para a depressão, desencadeia-se a tríade cognitiva. Uma vez instalada a síndrome depressiva, ocorrem alterações na atenção, cognição e na memória verificando-se que a atenção diminui, o processamento de informação torna-se mais automático e há uma tendência para a evocação de informações de valência negativa. O enviesamento na atenção, onde se observa um estreitamento do foco de atenção para factos negativos, e o enviesamento na memória, que facilita a evocação de aspectos negativos, combinados com o processamento de informação automático levam a uma dificuldade em identificar aspectos positivos em si próprio ou no contexto que levem à resolução dos problemas. Assim, o indivíduo tem tendência a maximizar o que é negativo, identificando por vezes o que é positivo ou neutro também como negativo (Lima et al., 2004).
Para além disto, o modelo cognitivo da depressão (Beck, 1967, Beck et al., 1979; cit in Lima et al., 2004) ressalta as mudanças que ocorrem no pensamento da pessoa deprimida, compreendendo os sintomas depressivos como resultados das distorções cognitivas de conteúdo negativo.
Assim, o modelo propõe que os sintomas cognitivos, motivacionais e vegetativos da depressão podem ser causados e mantidos por distorções nos três níveis de cognição: crenças nucleares (esquemas), crenças intermediárias e pensamentos automáticos (Lima et al, 2004).
As crenças nucleares são resultado de um processo contínuo de aprendizagem moldado pelas experiências existenciais do indivíduo e desenvolvidas pela identificação com outras pessoas importantes na sua vida, bem como pela percepção das atitudes dessas pessoas em relação a si. Desta forma, a teoria cognitiva propõe que algumas pessoas têm predisposição para a depressão por causa de um conjunto de ideias acerca de si próprio e do mundo que foram desenvolvidas precocemente (Lima et al, 2004).
Quando uma crença nuclear específica é formada, ela pode influenciar a formação de conceitos subsequentes e se persistir é incorporada numa estrutura cognitiva duradoura – o esquema. Assim, podemos dizer que o esquema é constituído por crenças nucleares e tem a função de filtrar, codificar e avaliar os estímulos que interagem com o indivíduo. Os esquemas são reforçados ao longo da vida pelo processo de associar importância às experiências que os validam e desqualificar as experiências que os invalidam, verificando-se que nas perturbações emocionais os esquemas são extremamente distorcidos, disfuncionais, rígidos e generalizados.
Por exemplo, nos indivíduos predispostos a desenvolver depressão, crenças como “Sou um fracasso”, “Não tenho valor” ou “Não sou amado” são predominantes (Lima et al, 2004).
As crenças intermediárias são constituídas por pressupostos (“Se… então”) ou regras (“devo” e “tenho que”) que governam a relação do indivíduo com o mundo (Lima et al, 2004), por exemplo, “Se me divorciar então nunca mais vou ser feliz”.
Por sua vez, os pensamentos automáticos são as cognições no nível mais superficial da consciência e reflectem a temática cognitiva do transtorno depressivo, sendo aqueles que estão mais acessíveis à consciência (Lima et al, 2004). O conteúdo do pensamento do depressivo é distorcido pela perpetuação de diversas distorções cognitivas, nomeadamente: inferência arbitrária (processo de retirar uma conclusão específica na ausência de dados que suportem essa conclusão); abstracção selectiva (focar a atenção num detalhe retirado do seu contexto e ignorando outros aspectos mais relevantes da situação, conceptualizando toda a situação com base nesse detalhe) generalização (estabelecer uma regra ou conclusão geral com base num ou mais acontecimentos isolados e aplicar em geral esse conceito a situações relacionadas ou não); magnificação/minimização (erro grosseiro na avaliação do significado ou magnitude de um acontecimento); pensamento dicotómico (tendência para classificar todas as experiencias em categorias opostas); personalização (tendência para relacionar acontecimentos externos consigo quando não existem bases par realizar essa ligação).
Assim, o que se verifica no caso de um indivíduo com depressão é que devido às suas experiências precoces criou esquemas de “perda” e “fracasso”. Uma determinada situação da sua vida (por exemplo, o divórcio) activa estes esquemas, activando também as suas crenças de desamor (unlovability) – crenças sobre ser indesejável, incapaz de ser amado ou que gostem dele, que não é atractivo e por isso vai ser rejeitado, abandonado, ficando sozinho – e as crenças de desvalor (unworthiness) – crenças sobre ser incapaz, incompetente, inadequado, ineficiente, falhado, defeitoso, fracassado, sem valor (Beck, 1995; cit in Knapp, 2005).
Uma vez activados, estes esquemas disfuncionais levam aos pensamentos automáticos negativos: “Estrago sempre tudo”, “Sou um falhado”, “A culpa é sempre minha”, “Sou muito chato e desinteressante”, “O que o futuro me reserva não é nada de prometedor”, "Não vou ser capaz", verificando-se distorções cognitivas subjacentes, tais como inferência arbitrária (“Sou uma falhado”,“Sempre que saio à rua acham-me um coitadinho”), generalização (“Estrago sempre tudo”), Magnificação e Pensamento Dicotómico (“Nunca mais vou ser feliz”) e os três componentes da tríade cognitiva. Por sua vez, a superprodução de pensamentos automáticos negativos leva a uma exacerbação dos sintomas depressivos, que através do enviesamento do processamento de informação, nomeadamente dos enviesamentos na atenção (focando-se apenas nos acontecimentos negativos), na memória (tendência para se recordar de acontecimentos e factos negativos) e cognições levam a mais pensamentos negativos, formando-se assim um ciclo vicioso, conforme se pode observar na figura abaixo.
Bibliografia
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