domingo, 13 de novembro de 2011

O que é a Hiperactividade?

A Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA) é uma situação cada vez mais comum que desafia pais, professores e até mesmo clínicos. É um tema com acentuada importância social uma vez que afecta crianças, jovens e até adultos que correm sérios riscos de fracasso escolar e social.


            A maioria das crianças hiperactivas apresenta problemas de disciplina na escola e são, várias vezes, consideradas pelos professores como desobedientes e mal-educadas. Por norma, esse comportamento é associado a dificuldades de adaptação à escola ou a falta de respeito, de educação, valores e formas de conduta que os pais não souberam transmitir aos filhos (Polaino-Lorente e Ávila, 2000).
         O facto de serem irrequietos, impulsivos e, por vezes agressivos, faz com que sejam repreendidos por pais e professores e rejeitados por colegas. Para além disto, enfrentam maiores probabilidades de, devido às suas características, falharem academicamente (Glass, 2001), o que consequentemente interfere com a sua auto-estima.
Pais e professores têm assim um papel crucial na detecção, acompanhamento e tratamento de crianças hiperactivas. Torna-se essencial para estas duas entidades conhecer os sintomas para aprender como actuar e identificar o que se pode fazer para ajudar a criança ou o jovem a superar as dificuldades inerentes a esta situação.
Estas crianças apresentam normalmente maus resultados escolares, dificuldade em tomar e manter decisões, em seguir regras, impulsividade, problemas de comportamento e relacionamento. Têm também uma maior probabilidade de adoptar comportamentos perigosos, comportamento anti-sociais, usar substâncias ilícitas, ser presos ou ter acidentes

O que é a PHDA?
Hiperactividade corresponde a uma expressão que se está a generalizar também na nossa sociedade e é usada para referir indivíduos que têm comportamentos hiperactivos, dificuldade em se concentrar e prestar atenção às tarefas e ainda, que apresentam tendência para ser impulsivos (Gonçalves, 2004).
De facto, os indivíduos a quem é diagnosticada PHDA apresentam sinais de um desenvolvimento inadequado nos campos da atenção, da impulsividade e da actividade motora, o que se manifesta em relação à idade mental e cronológica. Estes indivíduos apresentam uma actividade motora muito acentuada e pouco adequada. As crianças e adolescentes que possuem PHDA têm dificuldade em prestar atenção e precipitam as suas respostas, é-lhes difícil manterem-se quietas e atentas no seu lugar, baloiçam e mexem-se continuamente e podem, por vezes, criar conflitos com os colegas porque interferem nas suas brincadeiras e assuntos.
Segundo os dados da APA (2002) estima-se que 3% a 7% das crianças em idade escolar sofrem de PHDA. Para além disto, os dados também mostram que a perturbação é mais frequente nos rapazes, 80 a 90% dos casos, do que nas raparigas (Bretton, J.J., Bergeron, L., Valla, J.P., Berthiaume, C., e Gaudet, N., 1999). As explicações para este facto prendem-se com práticas de socialização diferenciadas, por parte dos pais, para rapazes e raparigas e também com o facto de os rapazes parecerem apresentar maior imaturidade, o que é um factor de vulnerabilidade (Melo, 2003).
Em Portugal, segundo Fernandes e António (2004), verifica-se que é “a perturbação neuro-comportamental mais frequente da criança, atingindo cerca de 9,2% dos rapazes e 2,9% das raparigas em idade escolar”. De acordo com Branco e Fernandes (2004), estudos recentes indicam que 4 a 6% das crianças em idade escolar têm PHDA. Com a idade é frequente os sintomas atenuarem-se (Gonçalves, 2004).

O DSM-IV-TR (APA, 2002) descreve para o diagnóstico desta perturbação nove sintomas de hiperactividade-impulsividade e nove sintomas de falta de atenção. Contudo, estes podem ser observados em qualquer criança numa determinada situação, fruto da irrequietude natural desta faixa etária.
 O DSM-IV-TR (APA, 2002) distingue três subtipos de PHDA de acordo com o predomínio dos sintomas de falta de atenção e da hiperactividade-impulsividade, sendo estes PHDA do tipo Predominantemente Desatento, PHDA do tipo predominantemente Hiperactivo-Impulsivo e PHDA do Tipo Misto.
               A falta de atenção (capacidade de um indivíduo filtrar os estímulos relevantes de uma dada situação e manter-se focalizado neles durante um período de tempo, em presença de estímulos secundários) é uma das mais importantes características e constitui um problema se seis ou mais dos seguintes sintomas forem observados, durante pelo menos seis meses, com uma intensidade que é desadaptativa e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
                 1)      com frequência não presta atenção suficiente aos pormenores ou comete erros por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou noutras actividades;
                 2)      com frequência tem dificuldades em manter a atenção em tarefas ou actividades;
                 3)      com frequência parece não ouvir quando se lhe fala directamente;
               4)      com frequência não segue as instruções e não termina os trabalhos escolares, encargos ou deveres no local de trabalho (sem ser por comportamentos de oposição ou por incompreensão das instruções);  
                 5)       com frequência tem dificuldades em organizar tarefas e actividades;        
             6)      com frequência evita, sente repugnância ou está relutante em envolver-se em tarefas que requeiram um esforço mental mantido (tais como trabalhos escolares ou de índole administrativa);      
              7)      com frequência perde objectos necessários a tarefas ou actividades (por exemplo, brinquedos, exercícios escolares, lápis, livros ou ferramentas);  
                 8)      com frequência distrai-se facilmente com estímulos irrelevantes;
                 9)      esquece-se com frequência das actividades quotidianas (DSM-IV-TR, 2002).

De facto, muitas vezes, pais e professores descrevem estes problemas de atenção como “parece não ouvir”, “não termina as tarefas”, “sonha acordado”, “costuma perder as coisas”, “não se concentra”, “distrai-se facilmente”, “não consegue trabalhar sem supervisão”, “precisa de mais direcionamento”, “muda de uma actividade incompleta para outra” e “parece estar confuso ou nas nuvens” (Barkley et al, 2006).
A hiperactividade prende-se com a dificuldade em controlar os movimentos do corpo e a necessidade de estar sempre em movimento (Lopes, 1998). De acordo com o DSM-IV-TR (2002) a criança hiperactiva apresenta, regularmente, os seguintes sintomas:
1)      com frequência movimenta excessivamente as mãos e os pés, move-se quando está sentado;
2)    com frequência levanta-se na sala de aula ou noutras situações em que se espera que esteja sentado;  
3)   com frequência corre ou salta excessivamente em situações em que é inadequado fazê-lo (em adolescentes ou adultos pode limitar-se a sentimentos de subjectivos de impaciência);  
4)   com frequência tem dificuldades em jogar ou dedicar-se tranquilamente a actividades de ócio;  
5)   com frequência «anda» ou só actua como se estivesse «ligado a um motor»;  
6)   com frequência fala em excesso;

Os pais inúmeras vezes descrevem a criança como “a mil”, “a todo o vapor”, “salta excessivamente”, “não consegue ficar parada”, “fala demais”, “está sempre a murmurar ou a fazer sons estranhos” e “está-se sempre a contorcer”. As observações destas crianças na escola ou quando executam tarefas independentes evidenciam que elas se encontram fora dos seus lugares, a andar,  pela sala de aula sem autorização, a mexer os braços e as pernas incessantemente enquanto trabalham, ou a brincar com objectos que não estão relacionados com a tarefa, podendo também falar fora da sua vez e fazer sons inapropriados. Constata-se, para além disto, que a inquietação provavelmente será mais problemática em situações enfadonhas ou de pouca estimulação do que em situações em que haja muita estimulação (Barkley et al, 2006).  

A impulsividade é outro dos factores que tem manifestações não só a nível emocional mas também cognitivo. O pouco controlo emocional faz com que a criança actue sem pensar no que está a fazer e sem avaliar as respectivas consequências. Apenas pretende que o seu desejo seja satisfeito e não tem a capacidade e maturidade necessárias para ponderar uma situação.
De acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002) os critérios de Impulsividade são:
1)        com frequência precipita as respostas antes que as perguntas tenham acabado;
2)        com frequência tem dificuldades em esperar pela sua vez;  
3)  com frequência interrompe ou interfere nas actividades dos outros (por exemplo, intromete-se nas conversas ou jogos)
Tanto os critérios de Hiperactividade como os de Impulsividade são considerados em conjunto, e para o diagnóstico os sintomas de hiperactividade- impulsividade devem ser 6 ou mais e persistir durante pelo menos 6 meses com uma intensidade que é desadaptativa e inconsistente com o nível de desenvolvimento.

Segundo Marsh e Fristad (2002) é comum assistir a manifestações de irritabilidade por parte dos indivíduos com PHDA, uma vez que os mesmos têm uma baixa tolerância à frustração, sendo as suas reacções são imprevisíveis, o que se reflecte na sua auto-estima. Para além disto, são também mais propensos a acidentes devido ao seu comportamento pouco ponderado.

Para a existência de um diagnóstico de PHDA a criança terá que apresentar 6 ou mais comportamentos de falta de atenção e/ou 6 ou mais comportamentos de hiperactividade-impulsividade, pelo menos durante os últimos 6 meses. Estes comportamentos disruptivos devem-se manifestar em pelo menos 2 contextos (ex: escola, casa, etc.). Alguns destes comportamentos têm que já estar presentes antes dos 7 anos de idade.
Contudo, o diagnóstico clínico da Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA) é uma avaliação bastante complexa, pois envolve a análise de múltiplas variáveis neurológicas, neuropsicológicas (funções executivas), cognitivas e psicossociais que se encontram na base desta perturbação. Assim, para um correcto diagnóstico da PHDA é indispensável recorrer à avaliação com profissionais experientes nesta área, uma vez que várias variáveis podem estar a "contaminar" os comportamentos desajustados exibidos por estas crianças.


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